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Sumi e reapareci. Confesso que não lembro da última vez que escrevi para o Diário e o tanto de tempo que fiquei afastada rendeu, a mim, um vazio - isso porque adoro escrever e refletir, pra mim é descanso e faz tempo que desconheço isso. A vocês, espero, que a pausa tenha rendido alguma saudade. Quem me acompanhou por aqui sabe que sempre procurei falar dos meus afetos, direta ou indiretamente. A tecnologia sempre foi, para mim, indissociável da comunicação e da vida. Sim, nunca deixamos de destacar que os avanços digitais ajudaram muito na escolha de produtos e serviços, na (r)evolução e encurtamento de distâncias para progredir e prosperar.
Aliás, nos tornamos muito mais exigentes, tem um bom tempo, reiteramos, em função também dos impactos que as significativas mudanças conferidas pelas tecnologias da informação e comunicação propiciaram. O arsenal de informações que temos acesso, afinal, nos tornou hiperpoderosos. Consumimos e produzimos conteúdo. O tempo todo. Somos pacientes, clientes, alunos, profissionais, aptos a termos mais critério e poder de escolha e decisão.
Tudo isso sabemos e segue sendo fantástico podermos fazer praticamente todo tipo de compra com apenas alguns cliques no celular, por exemplo. Mais ainda termos a mínima ideia de que a inteligência artificial também vem evoluindo e que não é besteira dizer que é bem possível que implantes cerebrais deixem de ser projeto para tornarem-se realidade.
Guardadas as devidas preocupações, já podemos ficar atentos, inclusive: A Neuralink, empresa representada por Elon Musk, CEO da SpaceX e da Tesla, vai iniciar neste ano um projeto de implantes cerebrais em voluntários humanos. As principais inquietações ou limites residem nas questões de bioética acerca do experimento, a segurança, uso dos dados e o futuro dos chips implantados.
Mas hoje eu não quero falar sobre o que já corre nas redes sociais virtuais no que concerne às intenções de ser verdadeira ou não a ideia principal do projeto de ajudar a aliviar algumas deficiências cerebrais, como possibilitar que pessoas com doenças, como a paralisia, controlem seus computadores e dispositivos móveis por meio da atividade cerebral. Não quero entrar na questão de a startup revolucionar estudo e aplicabilidade de interfaces neurais ou de romper os limites éticos na aliança entre fins lucrativos e intervenções médicas.
Hoje eu quero tentar tocar em tudo e tanto que, tem quase três anos, nos modificou mais substancialmente. Quem leu meus artigos anteriores sabe que sou entusiasta e profissional não só conectada à tecnologia como, posso dizer, também sustentada por ela. Também sou visceral. Em tudo que faço! É defeito, é qualidade, já nem sei, preciso ponderar. Ocorre que hoje falo de nós por trás o entre tudo isso. Ocorre que estou cansada e sei que você também está. Cansada de estar sempre online, sempre, absolutamente sempre, disponível. Numa noite de insônia cheguei a refletir sobre se fosse possível compensar todo tempo que estive conectada e servindo muito além das ditas oito horas do perfil convencional de trabalhador, quanto tempo eu poderia tirar de "férias" ? Sei que empreendedores (e intraempreendedores também) não tem disso e que a sociedade, inclusive, nos manipula ou regula para não pararmos, para sermos produtivos infinitamente! Mas isso não significa que não tenhamos medo ou que não tenhamos de romper esse ciclo. Racionalmente, eu sei disso, você sabe disso. Emocionalmente é que complica. Desprogramar, reiniciar, hibernar?
Com medo, como sei que você, do outro lado também deve estar ao saber que o início do ano letivo é anunciado, por exemplo, me vi triste. As aulas dos nossos filhos estão por começar e onde passamos as férias deles? Se você, mãe ou pai que está me lendo, conseguiu colecionar boas memórias com e para seus filhos rotineiramente, todo meu respeito, admiração e gratidão. Disso, sem dúvida, se faz um mundo melhor e, creio, desenvolvimento e evolução jamais vistos.
Agora, se você conseguiu não se sentir humilhada ao conferir o post alheio com uma refeição com todos os nutrientes bem no dia em que tudo parecia desmoronar e que
você só conseguiu oferecer nuggets e miojo de almoço, você tem muito equilíbrio. Não é o outro que está certo e nem você que está errado. Todos estamos perseguindo o melhor. Mas alguma coisa de muito errada não está certa. Não paramos de correr.
Eu, não sei você, dei tudo de mim e não consegui o suficiente. Outro exemplo: preparamos um final de semana especial para o que se prenuncia e ao conferir a previsão do tempo, de chuva, onde estaremos, sentei e chorei. Logo agora, pensei. Por qual motivo raiou, sem trégua, o sol quando eu fiquei afundada no meu projeto de tese do Doutorado e meu filho ficou nas telas? Fracassei, que mãe e que pai não decretou essa avaliação um dia?
E mais: eu não sei quanto tempo não vejo meus amigos. Já conhecemos os protocolos de segurança. Por qual motivo nunca temos tempo? Tínhamos, de fato, antes da pandemia? Quantas vezes deixamos para depois, centrados no hoje não. No hoje não porque tenho que trabalhar mais. No hoje não porque não tem como. Ocorre que o amanhã não chega.
Escrevo hoje porque acredito - ou preciso acreditar - que não estou sozinha. Que não sou só eu que estou temendo os afetos na contemporaneidade. Produções acadêmicas são recheadas de constatações de que diante da necessidade de suprir carências afetivas próprias do ser humano, o indivíduo desenvolve vínculos com e por meio da máquina. Os estudos, geralmente, destacam que se pode falar aqui de vínculos tecnológicos que possibilitam também a formação de vínculos sociais. Sem esquecer a importância do humano como premissa para a construção desses afetos, estou com saudade de sentar com e rir das piadas dos meus amigos. Estou com saudade de brincar com o meu filho sem ficar de olho nas notificações do celular. Não quero mais cozinhar respondendo áudios e mensagens do trabalho, cortar o dedo, me queimar, porque, assim como muitos de vocês, faço tudo e ao mesmo tempo.
Não existiria vida social e cultural se não fosse o afeto uma peça basilar na mediação entre os homens. São os afetos que permitem a construção da existência humana, afinal todos precisam criar vínculos, firmar laços para que a sociedade se estabeleça. Eu
acredito fortemente, vocês sabem, que podemos fazer isso mediados pela tecnologia. Ela promove acesso, democratiza informações e conhecimento, oportuniza contato com o mundo. Sempre vou defender isso. Estudo e amo o que ela é capaz de fazer por nós. Mas hoje, na coluna de tecnologia, quero que nos voltemos à vida privada. Que todos que juntos chegamos até, sei lá, esse parágrafo, nos comprometamos a, em alguma medida, desconectarmos.
Um estudo de 2019 (e eu temo a atualização desses dados durante a pandemia e pós pandemia) da Universidade Estadual de São Francisco, na Califórnia (EUA), apontava que interagíamos, em média, 2.617 vezes por dia com nossos smartphones. O estudo revelava que isso quer dizer que gastamos, diariamente, em torno de 2 horas e 25 minutos tocando, rolando, pressionando e utilizando nossos celulares.
A dependência de alguns em relação ao celular é tão grande, que a distância pode gerar a sensação de nomofobia (pavor de estar longe do aparelho), além do vício que já preocupava médicos e psicólogos, pois, para alguns especialistas, existe uma ligação direta entre dependência tecnológica e depressão. Me diz, só me diz, que nunca entrou em pânico por ter ficado sem bateria. Estamos tão adoecidos que esquecemos que pior que ficar sem bateria é perder a energia.
Na dita era tecnológica é tempo de (re)pensarmos a curiosa mudança das relações humanas. Que o avanço siga a figurar como mola propulsora para nossos empreendimentos e propósitos. O mundo precisa de nós. Mas que possamos parar de achar que desconectar é luxo. Precisamos incorporar a desconexão diariamente. É preciso, ainda que não seja sempre, adotar certo ritual de desconexão dos nossos diversos dispositivos para que possamos nos conectar conosco e com os nossos afetos. E, veja bem, sem qualquer culpa. Vou tentar e espero, em breve, poder entender o que é possível fazer depois da desconexão e da descompressão. Aliás, como ponte para tanto, uma bandeira que vamos todos precisar defender urgentemente e com muito mais afinco: trabalho remoto e não online.
Até a próxima!